Já se sabe que as mudanças climáticas têm impacto direto na saúde humana, causando, por exemplo, infecções e doenças respiratórias e alérgicas. Mas em países como Bangladesh e Uganda, que sofrem com falta de água potável em decorrência da crise do clima, as mulheres também estão perdendo o cabelo.
“As mulheres na região de Satkhira vivem sem o básico de água potável, casas de banho decentes e boa higiene, e a crise climática está piorando a situação”, disse Anindita Hridita, líder do programa de resiliência climática da WaterAid Bangladesh, ao The Independent. “Eles dizem que a exposição contínua a fontes de água contaminada não está apenas causando doenças perigosas transmitidas pela água, mas também roubando-lhes os cabelos, uma camada adicional de injustiça em uma situação já terrível.”
Hridita e a sua equipe viajaram pela região durante dias, recolhendo histórias de moradoras. Shyamoli Munda, uma produtora de arroz e peixe da aldeia de Bhetkhali, disse que perdeu tanto cabelo nos últimos anos que teme ficar careca. “Todos os dias cai muito cabelo, quase um punhado. Sai sempre que penteio o cabelo. Como mulher, o cabelo é tudo para nós, então sempre que perco cabelo fico insegura de ficar careca ou algo assim”, comentou.
Estudos científicos mostram que a água dura, classificada pelas altas concentrações de magnésio e cálcio, torna o cabelo e a pele secos e fracos. No entanto, a exposição extrema que estas mulheres têm diariamente à água salina está causando efeitos mais graves.
Jhorna Munda, outra residente da mesma aldeia, relatou que usa a água de lago para tomar banho e lavar o cabelo. “A água não é boa, mas não há alternativa, Estou com medo de não ter nenhum [cabelo] eventualmente.”
Na Ásia, Hridita pontua que a questão da perda de cabelo “está profundamente relacionada” não apenas com a saúde mental das mulheres, mas também com a sua posição na sociedade e até mesmo com o seu futuro.
“No sul da Ásia, antes dos casamentos arranjados, a família do noivo vem ver as potenciais noivas e as mulheres são apresentadas com toda a sua beleza e confiança. É muito importante ter cabelo”, explicou, acrescentando que os homens também estão perdendo fios, mas isso não os incomoda tanto.
O contexto de de valores culturais pesa muito na saúde mental. Em Uganda também há muitos relatos de mulheres sofrendo com queda de cabelo. Caso de Lina Lokol, que vive na aldeia de Ariamaoi, na região de Karamoja. “Quando estou com o cabelo descuidado, viro uma vergonha para meu marido, e ele pode até me abandonar por outras mulheres mais bonitas e com cabelos bem trançados.”
A ONG Water Aid tem ajudado comunidades pelo mundo a conseguir água de forma mais acessível, com instalação, por exemplo, de sistemas de coleta de água da chuva, mas reconhece é necessário fazer muito mais.
Por falar em água, mulheres e meninas são as primeiras a sofrer quando a seca atinge as zonas pobres e rurais, aponta o relatório Água para Prosperidade e Paz, recém-lançado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Essas populações são as responsáveis por buscar água, percorrendo longas distâncias, o que as coloca, muitas vezes, em situação de perigo e, no caso das meninas, ainda as leva a abandonar a escola.
“O stress hídrico relacionado com o clima tem um impacto significativo nas comunidades em todo o mundo, mas os seus efeitos tendem a ser mais agudos para as mulheres e as meninas, que muitas vezes suportam o peso das crises ambientais”, descreve o documento.
E acrescenta: “Devido aos papéis tradicionais e aos fatores socioeconômicos, as mulheres e as meninas são as principais responsáveis pela recolha de água em muitas culturas. Esta tarefa torna-se cada vez mais árdua e demorada à medida que a escassez de água, agravada pelas mudanças climáticas, os obriga a percorrer longos caminhos.
O relatório também enfatiza que a água é fundamental para promover a paz. “À medida que aumenta o stress hídrico, aumentam também os riscos de conflito local ou regional. A mensagem da Unesco é clara: se quisermos preservar a paz, devemos agir rapidamente, não só para salvaguardar os recursos hídricos, mas também para reforçar a cooperação regional e global nesta área”, disse Audrey Azoulay, diretora geral da Unesco, agência da ONU que publica o relatório anual, ao The Guardian.
Rick Connor, editor-chefe do relatório, observou que a “água tem sido na maioria das vezes uma ferramenta, um alvo ou uma vítima da guerra, mas normalmente não é a causa da guerra”.
“Podem ocorrer disputas sobre a água quando a procura excede a oferta, quando a disponibilidade é comprometida devido à poluição, quando o acesso a uma determinada quantidade de água é restrito ou quando os serviços de abastecimento de água e de saneamento são interrompidos. Essas disputas podem variar de disputas legais a litígios violentos, muitas vezes refletindo condições sociais, políticas, ambientais e demográficas específicas do evento e do local”, pontuou.
O The Guardian pondera que pouco progresso foi feito nas questões hídricas nos últimos anos, uma vez que a crise climática, a poluição e a utilização excessiva dos recursos de água doce em algumas áreas colocaram ainda mais pressão sobre a água.
Atualmente, quase metade da população mundial não tem acesso a saneamento básico e cerca de 2,2 bilhões de pessoas não podem contar com um abastecimento seguro de água potável. E, se o cenário não mudar, a escassez de água poderá afetar ainda mais gente no futuro.